Yogoberry

Toda a minha vida era uma piada realmente muito ruim. Meu maior sonho sempre foi vir para Los Angeles, para estudar na Spotlights e ser uma grande atriz, mas meus pais não queriam vir. E agora, que finalmente estou aqui, o que mais desejo e voltar a Londres, as minhas raízes, onde meus pais estão enterrados. Enxuguei as lágrimas do meu rosto, olhando a minha imagem no espelho. A calça jeans rasgada nos joelhos, um suéter preto caindo nos ombros, all star surrados nos pés. Meus cabelos de um vermelho vívidos caindo pelos ombros. Era a mesma imagem de sempre, mas a garota que via refletida não era a mesma. Nunca mais seria.

Coloquei os óculos escuros, um bom disfarce para esconder meus olhos tristes. Desci as escadas até o hall de entrada. Thea já estava me esperando, bonita e elegante como nunca serei. Sorriu encorajando-me a me animar com a sessão de compras que nos aguardava. Tentei sorrir de volta, mas sem sucesso.

Quando chegamos ao shopping, a primeira loja que ela entrou foi na Chanel. Aí começou aquele alvoroço de sempre. Todas as atendentes se derramando de elogios sobre como ela estava linda no último desfile, os clientes pedindo autógrafos e tirando fotos. Coisas que tanto minha irmã quanto eu já havíamos nos acostumado.

Eu não queria estar no meio daquela gente toda, então assim que pude, saí andando o mais depressa possível. Explicaria a Thea meus motivos, e apesar de decepcionada, ela entenderia. A Yogoberry estava cheia, o que não me agradou, mas aguentei. Entrei na fila, logo atrás de uma garota com os cabelos loiros e compridos, com mechas coloridas que achei bem legal. Não contei quanto tempo precisei esperar. O tempo era indistinto pra mim naquele momento. Quando chegou minha vez, pedi sorvete de chocolate com cobertura de limão e nozes.

Só que antes de eu poder receber o pedido, a garota da minha frente se virou e acabou derrubando seu sorvete no meu suéter. Ela começou a se desculpar e me deu um guardanapo para limpar a mancha. Eu poderia ser grossa e xingá-la, ou ignorá-la, mas eu estava cansada demais para qualquer atitude enérgica.

- Não, tudo bem. Isso acontece. – Respondi, terminando de limpar a mancha o máximo que eu podia. – Pede outro, vai demorar muito se você voltar para o fim da fila. – As pessoas atrás de mim começaram a reclamar, mas ignorei-os. A menina pediu outro e o pagou, em seguida peguei meu pedido e o paguei também. – Quer se sentar comigo? – Perguntei. Notei que aquela era a primeira vez em meses que eu interagia com uma pessoa que eu não conhecia e que não era da minha família.

Com a resposta positiva dela, escolhi uma mesa bem no fundo do lugar. Sentei e comi uma pequena colherada do sorvete. Era estranho como eu não sabia como iniciar uma conversa, justo eu, que um dia fora uma pessoa tagarelava ao extremo.

- Eu me chamo Eileen, e você? – Comecei com a pergunta clássica – A propósito, gostei das mechas do seu cabelo. – Completei.

A loura disse se chamar Mia. Quando ouviu meu comentário sobre seu cabelo, riu e respondeu com ironia. Arqueei a sobrancelha. Não entendi o motivo da sua risada, eu havia falado sério, não estava zombando dela. Mas logo compreendi o porque do seu ato, quando ela me explicou que ninguém nunca gostou do seu cabelo, e que seus pais a achavam problemática. Eu a entedia, porque acontecia o mesmo comigo. Olhavam para mim, para meu cabelo e roupas e faziam cara feia, não fazendo nem questão de esconder seu desagrado.

Depois de um tempo meus pais nem ligavam mais pela nova cor do meu cabelo, que naturalmente era castanho. Até começaram a gostar e fazerem piadinhas e brincadeiras sobre eu parecer um palito de fósforo. As lembranças do sorriso dos meus pais provocou em mim uma pontada de dor. Respirei fundo, apertando a taça com força, fazendo os nós dos meus dedos ficarem brancos.

- Eu sei como é – Falei, apontando para meu cabelo, fazendo a rir. De todo o lugar éramos as pessoas mais diferentes. – Meus pais apenas faziam piadinhas, mas não implicavam com isso. Sabiam que não iria adiantar de nada. – Dei de ombros. – Tudo o que é diferente da maioria, as pessoas condenam, taxam de estranho pessoas que tem pensamentos próprios. – Comi mais um pouco do sorvete, apreciando o sabor doce e gelado ao mesmo tempo. – Você é daqui de LA mesmo? – perguntei, um pouco curiosa. Eu me sentia um pouco melhor agora. Mia era uma boa pessoa, e agradeci mentalmente por ela não ser uma patricinha metida, como as dos filmes de Hollywood.

Cada vez mais eu gostava da Mia. Tínhamos muitas coisas em comum, coisas que pensei que não iria compartilhar com alguém aqui na América. Eu não estava muito animada com ideia de ter que fazer amigos. O que mais me assustava era o primeiro dia de aula, que começariam á duas semanas. Ter que encarar um lugar estranho, cheio de gente desconhecida, me apavorava um pouco.

- Ah, mas em todos os lugares há estereótipos, é algo que os seres humanos gostam de fazer, taxar as pessoas em rótulos concebidos por um pré-conceito – Falei em resposta a sua afirmação de como a cidade era cheia disso – Em LA, é apenas mais forte por causa de Hollywood, que dissemina que o padrão perfeito é ser alta, bronzeada, corpo escultural, que convenhamos, muitos artistas só conseguem com muita plástica. Parecem bonecos congelados com um sorriso no rosto – Ri ao me lembrar de diversos filmes de terror que usavam bonecos, como Chuck – É meio horripilante.

- Queria ter nascido em alguma cidade como Londres, Nova York... – Disse a loura e não pude evitar sentir certa nostalgia ao me lembrar de Londres, seus pontos turísticos, sua vida noturna agitada.

- Eu sou de Londres. – Respondi com um pequeno sorriso evidenciando um pouco meu sotaque inglês, ao ver os olhos azuis dela se arregalarem levemente. – Coincidência não é? Londres é uma cidade incrível. Ela é maior do que os filmes fazem parecer e tem atrações para todo o tipo de gosto. Um dos meus lugares favoritos é o Kensington Gardens. É lindo. Você deveria conhecer. – Recomendei. Provavelmente parecia uma mulher de agência de turismo, mas era algo inevitável. Eu sou apaixonada pelo lugar onde nasci.  Ficamos alguns minutos em silêncio, apreciando nossos sorvetes. – Então, em qual colégio você estuda?

Minha boca se abriu ligeiramente de surpresa. Realmente o destino gosta de pregar peças. Há dias atrás eu estava pensando como seria na nova escola, sem conhecer ninguém, em como seria muito chato ter que vagar sozinha pelos corredores, e então eu conheço a Mia, que coincidência ou não, vai estudar na mesma escola que eu.

- Eu também vou estudar lá! – Exclamei surpresa, mas feliz ao mesmo tempo. – Uau, agora sim estou animada com as aulas. Estava pensando como seria ser uma garota nova, que atravessou o Atlantico para estudar na Spotlights. Imaginei principalmente as patricinhas nojentas e metidas – Revirei os olhos – Mas agora eu sei que você vai estar lá então não vai ser tão chato assim.

Mas para estudar lá, Mia teria que se ‘comportar’ com os pais. Imaginei ela tendo que comparecer a esses eventos chatos da sociedade, bailes beneficentes e essas coisas. O que me fez lembrar novamente o motivo de eu estar ali agora. – Sinto muito por você, sei como esses eventos são absolutamente tediosos. Já eu vim estudar aqui porque meus pais faleceram a pouco tempo, então minha irmã mais velha decidiu que seria melhor para mim me mudar para LA. – Contei a ela, abaixando os olhos pro meu sorvete, tentando controlar minhas emoções. – Enfim, eu quero estudar lá porque gosto de atuar e cantar. E você? – Perguntei, tomando o restante do sorvete.

As palavras de consolo de Mia foram poucas e simples, e as mais verdadeiras que já ouvi. A maior parte das pessoas diziam que eles estavam com Deus agora, que estavam em um lugar melhor e coisas do tipo. Como poderiam ter certeza? Por acaso tinham morrido já, tinha vislumbrado o que havia após a morte? Eu não acreditava nisso.

Recompus-me e ouvi Mia dizendo que também cantava, além de compor e tocar alguns instrumentos. Sorri com a ideia de fazermos um dueto. – Claro que sim. Quando as aulas começarem, vamos fazer o dueto na aula de música e deixar todos de boca aberta.– Falei com um sorriso.

Nessa hora, meu celular vibrou mostrando que havia chegado uma mensagem. Vi que era de Thea, perguntando onde eu estava e pedindo para eu encontra-la na Victoria’s Secret para irmos embora. Suspirei. Logo agora que a conversa estava ficando interessante!

- Desculpa Mia, mas tenho que ir encontrar minha irmã para irmos embora. Mas anota meu número aí pra gente se falar. – A loira assentiu, dando seu número de celular e anotando o meu na agenda dela – A gente se vê. Tchau! – Despedi-me dela, andando com calma até a saída, jogando o pote vazio do meu sorvete no lixo. Coloquei os óculos escuros, com um pequeno sorriso no rosto.